segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Quem dirige a sua vida?


Fiquei sabendo oficialmente que tinha HIV no início do ano, depois de um exame. Claro que foi um momento difícil e cheio de ansiedade. Mas meu grande “mas” é que eu já sabia. Cerca de um ano antes, tive uma série de relações sexuais não protegidas. Por que falo assim? Pois apesar de saber que não me protegi, só tive certeza que não tinha sido o suficiente tempos depois. Tenho ideia de quem me passou? Uma vaga ideia. Então, eu já penso que estou passando a visão de mais um promíscuo que pegou HIV por irresponsabilidade. Um clichê que tanto pode revoltar outras pessoas que tiveram histórias diferentes e são julgadas de forma injusta por pessoas que tomam como exemplo casos como o meu. Casos que transformam hábitos em estatísticas, e estatísticas em generalizações. Sim, caro leitor, sou culpado. Fui irremediavelmente irresponsável e a forma que peguei o vírus lança sombra sobre outros casos de pessoas que possam ter sido enganadas por quem confiavam, por aqueles que tiveram um acidente com um preservativo ou até mesmo aquelas vítimas de um desejo arrebatador.  Peço sinceras desculpas para pessoas que se sintam prejudicadas por circunstâncias como a minha. Mas pelo pouco que aprendi até esse momento, é que o conjunto de fatos que incidiam sobre minha vida e me levaram ao comportamento de risco, não foi escolhido por mim.  Eu poderia acusar uma sociedade que nos empurra para ciladas por uma hierarquização de valores trocados. Ou dizer que fui vítima do abuso de substância ilícitas e legais. Mas não acredito nisso, ou teríamos uma sociedade mergulhada em um caos. O que me trouxe até aqui é uma das características da mais humanas de todas, a capacidade de sucumbir aos desejos. E ter sucumbido ao desejo errado, na hora errada. Peço ao leitor que olhe generosamente minha história sobre esse ponto de vista.

Depois de me justificar, posso retomar a história. Estava ciente que tinha não me protegido direito em algumas relações sexuais, quando fiquei doente. Não foi a primeira vez que ficava com uma forte virose após um período de abuso. Mas dessa vez era diferente. Foi muito intenso e me deixou de cama. Os sintomas eram de uma gripe forte: cansaço, dores no corpo e febre, mas o que veio logo depois foi uma novidade. Os gânglios do meu pescoço começaram a inchar. Foram os primeiros. Não voltaram ao tamanho normal após os outros sintomas que passaram dentro de uma semana. Em outros momentos da minha vida. Em um período de mais de 18 anos de vida sexualmente ativa, você pode imaginar que passei por medos parecidos em algumas outras ocasiões. Às vezes, sem o mínimo de possibilidade de ter efetivamente tido algum risco. Corria para encontrar informações sobre o assunto. E as informações sempre eram muito claras, pode ser sim que você tenha pegado, pode ser que não. Só há uma maneira de ter certeza, pelo exame. Pois diz a literatura médica, que há quem pegue HIV que passe pelos sintomas da chamada crise aguda com a leveza de um resfriado. Em alguns casos, parece que há a possibilidade de nenhum sintoma se apresentar. O fato é que essas situações me levaram a ser um grande conhecedor sobre a evolução da doença. Há outros motivos que me fizeram aprofundar, talvez fale em outra oportunidade. Porém agora, basta para o leitor saber que após o possível contágio, que se tornou certo. Eu sabia que aqueles gânglios inchados no pescoço levavam a certeza do contagio para acima dos 50%. E que meu quadro de sintomas da fase aguda não eram nada leves, foram muito fortes.  O problema foi também que outros gânglios também apareceram do decorrer dos meses após essa crise aguda. Na virilha, na nuca, nas axilas. O medo de ter pego o HIV foi substituído pela esperança de não ter sido contagiado. Demorei para fazer o exame, primeiro para deixar passar a chamada janela imunológica, o período que o exame não detectaria o vírus. Depois porque escolhi o momento para ficar sabendo com certeza. Os motivos dessa escolha também ficam para um outro momento. Até fazer o exame, ironicamente vivi uma vida mais saudável, cujo o único abuso frequente eram algumas bebedeiras de fim de semana. Estava levando uma vida sexual muito mais comportada e passei por um amadurecimento muito necessário para o que viria a ser uma das grandes mudanças da minha vida.

Saber que estava infectado foi um revés que trouxe todas as piores imagens sobre o assunto para a superfície do meu pensamento. A minha sorte foi contar com uma coisa: ter me preparado para isso a partir da minhas incertezas. Foi fundamental o período em que fiquei remoendo a possibilidade, investigando sobre como agir após a descoberta. Talvez tenha evitado uma grande depressão. Mas houve um lado ruim em não saber antes também. Fica para um outro post. Esse já ficou enorme.

Se você  está nesse momento, de desconfiar ou descobrir sobre o contágio, o principal é respirar fundo e pensar que o futuro revela muitas possibilidades. Você e eu estamos passando por um despertar involuntário sobre algumas características da condição humana, de nossa existência. Não pense que exista alguém que vive, viveu ou viverá que não tenha que se confrontar com isso mais cedo ou mais tarde. Talvez você já tenha muito conhecimento sobre isso e eu gostaria de ouvi-lo falar sobre suas descobertas. Mas senão saiba que não está sozinho e que por mais turbulenta que a viagem possa parecer, antes de mais nada estamos ganhando muito mais tempo na direção de nossas vidas do que tínhamos antes. Vamos em frente e vamos juntos. 

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