segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dr. Jekyll and Mr. Hyde

Após descobrir que você é HIV positivo, uma das primeira coisas que qualquer um pensa é que terá que fazer tratamentos pelo resto de sua vida. Lidar com a evolução da infecção ou lidar com a evolução do tratamento. Então não deixa de ser frequente ouvir ou ler que o tratamento é uma das melhores coisas que já aconteceram. Que graças a ele, o portador do vírus poderá levar uma vida quase normal. Que existe sim efeitos colaterais, mas que são remediáveis.  Bem, isso terá que ser uma coisa avaliada por cada um ao seu tempo.

Alguns sortudos ficam mais de dez anos sem precisar iniciar o tratamento. E ficam monitorando a infecção. O que leva alguém a ter o número de vírus aumentado por partes no sangue e ver sua células protetoras desaparecerem é um mistério. Esses são os dois fatores que levaram o médico a ajudá-lo decidir sobre quando iniciar o tratamento com os chamados antirretrovirais.

Mas antes disso tem a escolha do médico. Ah, o médico! Essa pessoa central em sua vida a partir do momento que você decide pelo tratamento, é fundamental que passe segurança, informações e auxilie na tomada de decisões que mudaram sua vida dali para frente. Até o momento fui em dois médicos. A especialidade é infectologista.

De repente, me vi escolhendo um médico como quem escolhe um bom marido para sua amada filha. Ele teria que ser jovem, inteligente, bem formado e com ótima apresentação. Ele teria que ser confiável, amigável e, quem sabe,  com sorte, bonito. Mas como no caso da família, a gente não escolhe nada e tem que aceitar o que o destino apresenta. A não ser que você tenha muito dinheiro... Não é o meu caso.

O primeiro Dr. Ocupado. Já com idade avançada possuía ótima qualificação. E realmente me deixava seguro depois que me atendia. Mas quanto sofrimento para ser atendido! Pouco acessível, sua disponibilidade foi fundamental para que eu procurasse outra pessoa. Era sempre necessário marcar com um mês de antecedência e sofri com isso, como explicarei depois aqui. Sua secretária pode ser considerada a típica megera de piada de salão.

O segundo e atual Dr. Interrogação. Não tem uma qualificação de encher os olhos. Fez uma dessas faculdades de medicina que nível B. Seu consultório é simples. Mais jovem que o primeiro. Muito mais acessível. A secretaria é uma vovozinha querida. E atende mais perto de onde vivo. 

Quando levei meu caso para o Dr. Ocupado fui recebido por esse homem sério e antigo. Seu consultório tinha ótima localização, mas sem sinais de luxo. Porém sua postura elegante, sua indumentária e objetos pessoais não deixam dúvida de que era alguém muito bem sucedido. Não me tome por fútil por analisar um médico assim. Ser bem sucedido é um indício sobre sua experiência profissional. Após uma rápida pesquisa no google, ainda pude verificar que ele tinha ótima formação.

Porém para chegar até ele eu tinha que passar por essa mulher desagradável. Parecia uma personagem de história em quadrinho. Passava uma impressão de profundo amargor com a vida. Seu olhar tinha algo de frio reafirmado por sua forma de falar e agir. A coitada poderia até ser vítima da agenda lotada do médico, mas com certeza aquela postura de vida era uma escolha infeliz. E ela foi a pior pessoa para esse papel no período que precisei me consultar com esse médico.

Após o resultado positivo, consegui uma consulta com o Dr. Ocupado. Ele me passou a série de exames necessários para a monitoria da doença e outros para descoberta de outra infecções. Coincidentemente, depois que descobri que tinha o HIV, minha saúde mudou. Minha expectativa que poderia viver alguns anos antes de iniciar o tratamento foi sendo continuamente frustrada.

Entre as longas esperas entre um consulta e outra. Fui tendo várias doenças com diferentes níveis de agressividade. Dores de garganta que deixavam um gânglio extremamente inchado no pescoço passou a ser frequente. Aftas muito dolorosas também começaram a pipocar na minha língua. Após um período doente de 10 a 15 dias, vinha uma semana de alívio. Nem todas as crises eram tão terríveis. Mas passar a não ter saúde de uma hora para outra foi muito estressante. Ter que recorrer esporadicamente aos prontos socorros me deixa ainda mais vulnerável.

O mais complicado era que meus exames indicavam um quadro ainda não tão ruim. Ou a não necessidade de iniciar a terapia com o chamado coquetel. Porém a realidade daquelas doenças não deixava dúvida que minha saúde escorria pelo ralo com o passar do tempo. Esse cenário também evidenciava que meu emocional poderia estar ajudando no avanço do meu quadro.

Minha tolerância com a secretaria rabugenta e com o Dr. Ocupado acabou quando tive um quadro de doença tipicamente oportunista que convergia para a necessidade de iniciar um tratamento. Foram apenas seis meses entre o teste esse início. Há quem passe por isso durante anos. Eu estava visivelmente estressado e a caminho de uma depressão. Foi quando resolvi arriscar outro médico. Na verdade, Dr. Ocupado não tinha horários em período razoável de tempo e meu últimos exames traziam notícias alarmantes.  Procurei outro profissional.

Cheguei ao Dr. Interrogação já sabendo que seria necessário iniciar o tratamento. E desejando, pois aquela vida de doenças não era uma opção. Quanta diferença faz ser bem atendido por uma secretária. Quanta diferença faz ser atendido em tempo adequado. Foi um grande alívio.

Dr. Interrogação não é um daqueles médicos que lhe passam firmeza. Fiquei com dúvida sobre sua eficiência. Porém demonstrou conhecimento e não hesitou no principal, em decidir pelo tratamento. Não foi exatamente didático em explicar tudo o que precisava ouvir. E a consulta foi expressa. O que há com nossos sistemas de saúde que nos levam a ser consultados em um drive through quando não temos dinheiro suficiente para pagar consultas particulares? A realidade é foda.

Com receitas e alguma orientações mergulhei de cabeça no tratamento. Já havia lido muita coisa a respeito, mas dei preferencia as poucas explicações que médico me deu sobre o que aconteceria comigo. Não queria me impressionar com a descrição dos sintomas dos efeitos colaterais que as bulas trazem, nem mesmo me influenciar por depoimentos. Sua orientação foi tomar os três medicamentos antes de dormir e torcer para os efeitos colaterais não se apresentarem de forma a comprometer o tratamento.  Durante a noite poderia ter sonhos vívidos e outros distúrbios de sono. Durante o dia...


Vai completar o primeiro mês de tratamento nesta semana. Mas acho que isso merece um post exclusivo. O que posso adiantar é que foi tudo dentro do esperado, mas não sei se estava preparado. A segunda consulta com o Dr. Interrogação só me deixou mais em dúvida sobre ele. De qualquer maneira, a secretária deste ainda é doce de pessoa. 

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