Após descobrir que você é HIV positivo, uma das
primeira coisas que qualquer um pensa é que terá que fazer tratamentos pelo
resto de sua vida. Lidar com a evolução da infecção ou lidar com a evolução do
tratamento. Então não deixa de ser frequente ouvir ou ler que o tratamento é uma
das melhores coisas que já aconteceram. Que graças a ele, o portador do vírus
poderá levar uma vida quase normal. Que existe sim efeitos colaterais, mas que
são remediáveis. Bem, isso terá que ser
uma coisa avaliada por cada um ao seu tempo.
Alguns sortudos ficam mais de dez anos sem precisar
iniciar o tratamento. E ficam monitorando a infecção. O que leva alguém a ter o
número de vírus aumentado por partes no sangue e ver sua células protetoras
desaparecerem é um mistério. Esses são os dois fatores que levaram o médico a
ajudá-lo decidir sobre quando iniciar o tratamento com os chamados
antirretrovirais.
Mas antes disso tem a escolha do médico. Ah, o médico!
Essa pessoa central em sua vida a partir do momento que você decide pelo
tratamento, é fundamental que passe segurança, informações e auxilie na tomada
de decisões que mudaram sua vida dali para frente. Até o momento fui em dois
médicos. A especialidade é infectologista.
De repente, me vi escolhendo um médico como quem escolhe
um bom marido para sua amada filha. Ele teria que ser jovem, inteligente, bem
formado e com ótima apresentação. Ele teria que ser confiável, amigável e, quem
sabe, com sorte, bonito. Mas como no
caso da família, a gente não escolhe nada e tem que aceitar o que o destino
apresenta. A não ser que você tenha muito dinheiro... Não é o meu caso.
O primeiro Dr. Ocupado. Já com idade avançada possuía
ótima qualificação. E realmente me deixava seguro depois que me atendia. Mas
quanto sofrimento para ser atendido! Pouco acessível, sua disponibilidade foi
fundamental para que eu procurasse outra pessoa. Era sempre necessário marcar
com um mês de antecedência e sofri com isso, como explicarei depois aqui. Sua
secretária pode ser considerada a típica megera de piada de salão.
O segundo e atual Dr. Interrogação. Não tem uma
qualificação de encher os olhos. Fez uma dessas faculdades de medicina que
nível B. Seu consultório é simples. Mais jovem que o primeiro. Muito mais
acessível. A secretaria é uma vovozinha querida. E atende mais perto de onde
vivo.
Quando levei meu caso para o Dr. Ocupado fui recebido
por esse homem sério e antigo. Seu consultório tinha ótima localização, mas sem
sinais de luxo. Porém sua postura elegante, sua indumentária e objetos pessoais
não deixam dúvida de que era alguém muito bem sucedido. Não me tome por fútil
por analisar um médico assim. Ser bem sucedido é um indício sobre sua
experiência profissional. Após uma rápida pesquisa no google, ainda pude
verificar que ele tinha ótima formação.
Porém para chegar até ele eu tinha que passar por essa
mulher desagradável. Parecia uma personagem de história em quadrinho. Passava
uma impressão de profundo amargor com a vida. Seu olhar tinha algo de frio
reafirmado por sua forma de falar e agir. A coitada poderia até ser vítima da
agenda lotada do médico, mas com certeza aquela postura de vida era uma escolha
infeliz. E ela foi a pior pessoa para esse papel no período que precisei me
consultar com esse médico.
Após o resultado positivo, consegui uma consulta com o
Dr. Ocupado. Ele me passou a série de exames necessários para a monitoria da
doença e outros para descoberta de outra infecções. Coincidentemente, depois
que descobri que tinha o HIV, minha saúde mudou. Minha expectativa que poderia
viver alguns anos antes de iniciar o tratamento foi sendo continuamente
frustrada.
Entre as longas esperas entre um consulta e outra. Fui
tendo várias doenças com diferentes níveis de agressividade. Dores de garganta
que deixavam um gânglio extremamente inchado no pescoço passou a ser frequente.
Aftas muito dolorosas também começaram a pipocar na minha língua. Após um
período doente de 10 a 15 dias, vinha uma semana de alívio. Nem todas as crises
eram tão terríveis. Mas passar a não ter saúde de uma hora para outra foi muito
estressante. Ter que recorrer esporadicamente aos prontos socorros me deixa
ainda mais vulnerável.
O mais complicado era que meus exames indicavam um
quadro ainda não tão ruim. Ou a não necessidade de iniciar a terapia com o
chamado coquetel. Porém a realidade daquelas doenças não deixava dúvida que
minha saúde escorria pelo ralo com o passar do tempo. Esse cenário também
evidenciava que meu emocional poderia estar ajudando no avanço do meu quadro.
Minha tolerância com a secretaria rabugenta e com o
Dr. Ocupado acabou quando tive um quadro de doença tipicamente oportunista que
convergia para a necessidade de iniciar um tratamento. Foram apenas seis meses
entre o teste esse início. Há quem passe por isso durante anos. Eu estava
visivelmente estressado e a caminho de uma depressão. Foi quando resolvi
arriscar outro médico. Na verdade, Dr. Ocupado não tinha horários em período
razoável de tempo e meu últimos exames traziam notícias alarmantes. Procurei outro profissional.
Cheguei ao Dr. Interrogação já sabendo que seria
necessário iniciar o tratamento. E desejando, pois aquela vida de doenças não
era uma opção. Quanta diferença faz ser bem atendido por uma secretária. Quanta
diferença faz ser atendido em tempo adequado. Foi um grande alívio.
Dr. Interrogação não é um daqueles médicos que lhe
passam firmeza. Fiquei com dúvida sobre sua eficiência. Porém demonstrou
conhecimento e não hesitou no principal, em decidir pelo tratamento. Não foi
exatamente didático em explicar tudo o que precisava ouvir. E a consulta foi
expressa. O que há com nossos sistemas de saúde que nos levam a ser consultados
em um drive through quando não temos dinheiro suficiente para pagar consultas
particulares? A realidade é foda.
Com receitas e alguma orientações mergulhei de cabeça
no tratamento. Já havia lido muita coisa a respeito, mas dei preferencia as
poucas explicações que médico me deu sobre o que aconteceria comigo. Não queria
me impressionar com a descrição dos sintomas dos efeitos colaterais que as
bulas trazem, nem mesmo me influenciar por depoimentos. Sua orientação foi
tomar os três medicamentos antes de dormir e torcer para os efeitos colaterais
não se apresentarem de forma a comprometer o tratamento. Durante a noite poderia ter sonhos vívidos e
outros distúrbios de sono. Durante o dia...
Vai completar o primeiro mês de tratamento nesta
semana. Mas acho que isso merece um post exclusivo. O que posso adiantar é que
foi tudo dentro do esperado, mas não sei se estava preparado. A segunda consulta com o Dr. Interrogação só me deixou mais em dúvida sobre ele. De qualquer maneira, a secretária deste ainda é doce de pessoa.
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