segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Um dia sem o tratamento. Um dia sem o tratamento?

Que merda! Acordei hoje me sentindo especialmente bem. Sem o enjôo matinal, sem aquela confusão mental e extracansaço rotineiros. Também estou com mais saliva na boca. E o apetite sexual está um pouco mais, vamos dizer, apetitoso... Acho que esqueci de tomar o antirretroviral! Será?

Não tenho certeza. Ontem, ao dormir fiquei na dúvida se tinha tomado ou não. E na dúvida, não tomei o que seria uma segunda dose. Não foi uma escolha fácil. Sofri fazendo as contas das pílulas e dias. Tentando lembrar se aquela ida até o banheiro tinha significado que tinha aberto o armário, o frasco e pegado o remédio. Será que na dúvida deveria tomar uma  possível segunda dose? Ou será melhor pular uma vez e tomar muito mais cuidado nas próximas.

O que acontece quando se esquece uma dose? Não é claro. Nada em se tratando desse vírus é muito claro. Por exemplo, algumas pessoas ficam anos sem iniciar o tratamento com o nível de CD4 e contagem viral excelente. Outras tem poucos meses entre o contágio e os primeiros sintomas da AIDS. Claro que alguns fatores influenciam: alimentação, esportes, uso de drogas ilícitas, consumo de álcool, cigarro, promiscuidade, horas de sono e outros fatores da qualidade de vida. Porém mesmo assim, duas pessoas com hábitos semelhantes podem apresentar o desenvolvimento da doença de forma drasticamente diferente.

Esse não é um post de elogio ao interrompimento ao tratamento. Principalmente, por um erro desses poder ter graves consequências senão ter desdobramentos fatais. Mas não tenho como negar que de duas, uma: ou eu esqueci de tomar o medicamento e os efeitos colaterais matinais são residuais de uma noite sem a química pesada, ou a sugestão teve um efeito placebo às avessas, atenuando na minha percepção alguns elementos que tornam minhas manhãs difíceis.

Porém há um lado bom. A constatação que o dano químico poderia desaparecer caso o tratamento não fosse mais necessário. Como seriam melhores minhas manhãs! Dá mais força para que descubram logo uma cura, e assim eu posso me beneficiar da interrupção segura do tratamento. Por outro lado, também reforça a ideia que muito do que acostumei ser minhas manhãs pode ser um estado induzido apenas pelo tratamento. Independente de ser imaginário ou não. As manhãs podem voltar a ser manhãs livres do enjôo, torpor e confusão.

Agora, não penso duas vezes em voltar ao tratamento. Tenho ainda a clara imagem daquela pessoas debilitada pelos primeiros sintomas da AIDS. Iniciar e manter o tratamento salvou minha vida. Ainda me livrou da insegurança de ter um vírus que permite o desenvolvimento de várias doenças oportunistas. Aftas, ínguas doloridas, feridas, febres, dores, herpes, gripes, resfriados, sinusites e muitos outros deram lugar a duas a três horas de incômodos matinais que passam e permitem uma vida relativamente comum. Estou contando as horas para próxima dose. Estou contando os dias para a cura. Estou contando com a sorte para que esse possível lapso não tenha consequências.

sábado, 24 de outubro de 2015

A Nova Aparência do Portador de HIV

Todos nos lembramos do estigma do portador de HIV do final dos anos 80 e início dos anos 90. Era o homem extremamente magro, com perda considerável de cabelo, pele de cor acizentada e esverdeada, olhos profundos e aboticados. Quanto não tinha manhas escuras pelo corpo, machucados e consequente envelhecimento precoce. Essa imagem anunciava o horror da doença e o estágio terminal da AIDS. O doente era identificado facilmente na rua, entre os círculos de conhecidos e nos hospitais. O preconceito era grande e algumas celebridades valentes colocaram seu rosto a mostra pela causa e por uma solidariedade sem tamanho que poucos entendem. Como se expor desse jeito poderia ter algo de bom? Vemos hoje em dia que mostrar aquela realidade foi fundamental para provocar uma reação da nossa sociedade.


Após, tivemos uma suavização dessa imagem. Não tão magra, não tão debilitada, menos chocante, mais ainda facilmente identificável. O olhos ainda se pronunciavam. A cor da pele era entre o cinza esverdeado e opaco. A aparência cansada e certa perda de cabelos. Em pessoas mais velhas, a infecção já não era tão clara como nos mais novos. A qualidade de vida era fundamental para aumento da sobrevida do paciente, mas os casos de falecimento ainda eram constantes. 

Então, vieram a nova geração dos antirretrovirais. Remédios potentes e fundamentais para diminuir drasticamente a mortalidade dos infectados. A aparência do portador de HIV no imaginário das pessoas melhorou bastante. E na realidade, havia pouca coisa que denunciava o paciente em tratamento. Especialmente o fundamento das bochechas, braços e pernas finas em comparação com o corpo com ventre abaloado. 

Como novos portadores de HIV surgindo a todo momento, e como a redução dos efeitos colaterais dos coquetéis. A nova aparência do HIV positivo ainda ficou associada a certa magreza, senão um certo inchaço. Leve distrofia. Um certo afundamento da parte inferior da maçã do rosto e uma coloração de pele menos viva. Os novos portadores de HIV já não eram tão facilmente apontados pela aparência, pois poderiam ter outros males ou até mesmo terem um biotipo semelhante. O que mais denunciava o portador era a passagem da fase assintomática para a fase sintomática, e para quem estivesse mais próximo. 

A nova imagem do portador de HIV não existe. Não que não seja possível identificar algo daquela primeira imagem no soropositivo atual. Em especial, uma certa saliência dos olhos, um afinamento do queixo e bochecha. Menos gordura localizada nas coxas e nádegas. Tanto as intervenções plásticas quanto o simples entendimento da mudança da fisiologia do portador criou-se condições para que o mesmo se misture na multidão sem ser reconhecido. Não é incomum encontrar pessoas que ficam melhores após o contágio. Tanto por passar a cuidar melhor de sua aparência e saúde, como por uma maior disciplina para se alimentar e exercitar. A nova geração de infectados se libertou do antigo estigma da aparência, mesmo que ainda tenha que enfrentar o preconceito, muitas vezes de quem menos esperaria.




De Volta ao Peso Normal

Alguns dias atrás eu celebrei um marca. Voltei ao meu peso normal. Ainda falta colocar alguns músculos no lugar, mas já estou me sentido como esse rapaz da foto.



O primeiro desafio foi me alimentar direito. Eu simplesmente não estava comendo o suficiente. Ainda tenho a impressão que meu intestino não absorve os nutrientes como antes. Além da alimentação rica em proteína e fibras, ela tem que ser saudável para evitar o aumento do colesterol e outras predisposições que o portador do HIV em tratamento tem. Diminuir o álcool é um desafio, mas um dos hábitos que provocam mais impacto a médio e longo prazo. Ainda não bebo tanta água quando deveria o que fica claro na qualidade da minha pele e em outras necessidades fisiológicas. Preciso aumentar.

Mas o fato é que a melhor global é perceptível. Não sou exatamente como era antes. Antes eu tinha uma aparência mais jovem e descansada. E tenho que confessar que a distribuição de gordura no corpo parecia mais natural. Não sei se é lipodistrofia ou simplesmente os anos passando, mas é algo perceptível. No rosto, na região da barriga. De qualquer maneira, a musculação ajuda bastante.

Não tenho pretensões de ser um Jack Mackenroth (http://www.jackmackenroth.com/), mas quero pelo menos não me sentir mal na frente do espelho. Tenho sorte de não ter predisposição para ser obeso ou magro demais. O que facilita. Ou seja, quero o mínimo, me manter atraente para mim, e para um certo número de pessoas que faça me sentir desejado. Sei que parece tolo e até mesmo superficial. Mas digamos que é uma preocupação a menos.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

The Cure

Enquanto a cura não vem, The Cure... Friday I'm in Love! 


Especialistas em HIV

Conheço um especialista em HIV. Não é meu infectologista, não é um amigo próximo. É alguém que conheço pessoalmente e não sabe ou finge não saber da minha sorologia. Falo isso, pois além de já ter apresentado os clássicos sinais de ser HIV positivo, emagrecimento e certa mudança da aparência, também já fiz sexo e tenho um contato esporádico.



Se eu for julgar que todos meus amigos comuns com ele são HIV positivo, eu teria que escrever vários posts sobre o assuntos. Prefiro acreditar que por ele ser gay e ter a libido como poucas pessoas que conheci faz dele uma pessoa popular. Além disso, o mundo gay é pequeno. Acredite, as coincidências são constantes mesmo com aqueles que "não frequentam o meio".



Voltando ao especialista. Ele possui um conhecimento avançado sobre o tratamento do HIV, da AIDS, efeitos colaterais e tudo que se relaciona com o soropositividade e prevenção. Porém ele é apenas uma pessoa normal, que vai ao banheiro e sente-se carente, que trabalha muito e tenta levar a vida da melhor maneira possível. Ele não é um sábio que guarda as chaves para todo o conhecimento sobre como o HIV afeta a vida das pessoas. Ele é um especialista técnico. Que pesquisa e trabalha com a doença diariamente. Que ganha o pão de cada dia com seu conhecimento sobre o assunto. Que salva a vida de muitos. Que tem intimidade com o conhecimento científico e com toda a terminologia que parece uma língua estrangeira para o leigo. Porém uma pessoa normal. Sujeita a erros e acertos, como qualquer ser humano.



Até já suspeitei que ele pudesse ser HIV positivo, antes mesmo do meu contágio. Pois todos estamos sujeitos a contaminação mesmo os mais esclarecidos sobre o assunto. Já me perguntei se não deveria conversar com ele sobre o assunto. Seria interessante e esclarecedor. Mas o grande número de conhecidos que compartilhamos e uma certa timidez me segura.



Também não sei ao certo o quanto ele encararia numa boa o fato de me aproximar dele pelo conhecimento científico e profissional. Até escrever isso já soa ruim. Certo? Então, por que estou escrevendo esse post? Na verdade, eu estava lendo alguns blogs e sites sobre HIV quando li uma frase de uma blogueiro (Alexandre) falando que o fato dele ser HIV positivo não faz dele um especialista no assunto. Isso me bateu, não porque me achasse um especialista, mas por considerar que a minha experiência sobre o assunto é sim de um especialista. Especialista em lidar diariamente com o HIV. Eu sei, pode rir. Mas não abro mão do título. Não quero que ninguém siga meus conselhos ou encontre respostas para suas dúvidas, mas desejo de maneira firme que quem leia meu blog, em especial, aqueles que convivem de alguma forma com o HIV saibam que não estão sozinho e que estamos resistindo juntos.



Quanto ao meu amigo especialista? Torço para que um dia ele torne o conhecimento dele ainda mais acessível. (Não que tenha alguma obrigação) Quem sabe ele não faz um blog, um site, uma página no Facebook ou até mesmo vídeos no youtube?

Manual de como viver com um HIV positivo - parte III - Libido

Um dos grandes mistérios para mim é a libido, não apenas para o HIV positivo, mas para qualquer pessoas. Aliás, não só para mim, para a ciência, psicólogos e toda a sorte de profissionais e religiosos. Ninguém sabe ao certo como a libido funciona. Não existe drogas legais que alteram a libido de forma positiva. Pelo contrário, a maior parte das drogas diminui a libido. Mas o que é a libido? É a vontade instintiva que temos em fazer sexo. É aquilo que deixa os homens e as mulheres naturalmente excitados e prontos para o sexo. Existe um comportamento coletivo no que diz respeito a libido. Certas idades, certas horas do dia, certas situações e certos hábitos favorecem a libido. Por exemplo, os homens adolescentes tem muito mais libido do que os homens adultos. As mulheres jovens e as que alcançaram a menopausa tem mais libido do que as outras. As pessoas que praticam mais exercícios e tem alimentação mais saudável também possuem mais. Assim como quem tem mais auto-estima ou se sente atraente também. Porém, há sempre exceções à regra. Algumas drogas em certas doses aumentam a libido, é o caso da cocaína, GHB, ecstasy e outras. Porém levam a dependência química e psicológica. Algumas com o GHB ainda levam ao comportamento de alto risco de exposição a doenças sexualmente transmissíveis e ao risco de morte. Mas o fato é que em uma pesquisa rápida você vai notar que o portador do HIV positivo tem uma alteração na libido. Antes do tratamento e depois. Antes, muito ligada ao estado psicológico, e após, ligadas a diversos fatores químicos e psicológicos. Quem convive com um HIV positivo precisa ter um pouco de paciência e criatividade. A libido não desaparece na grande maioria dos casos, ela fica um pouco mais difícil de se manifestar. Mas se manifesta.



No meu caso, pessoalmente, ela se deslocou da parte da manhã para tarde. E ficou um pouco menos ativa. Porém não comprometeu a frequência que tenho sexo. Usar drogas para dar uma mãozinha para libido está fora de cogitações. Além de reduzir a imunidade, os efeitos da ressaca química são ampliados pelos antirretrovirais. Porém devo confessar que quando bebo, o sexo vem mais fácil. Mas já era assim antes do tratamento. Se você está convivendo com alguém com HIV positivo e está tendo dificuldades para lidar com a oscilação da libido da pessoa, eu indicaria tentar explorar as fantasias sexuais de ambos. Pode ser um estímulo a mais para chegar em um estado de excitação mais rápido. Homens são mais fáceis. A maioria vai se deixar levar pela provocação de imagens e sons que possam aguçar a imaginação. Vai depender um pouco do quanto a pessoa está aberta para explorar as próprias fantasias sexuais. Acredite, nem que estejam guardadas no fundo dos pensamentos, elas existem. Experimente vídeos eróticos ou pornos que podem ser acessados na internet sobre temas de diversos fetiches e situações, não tenha medo de ousar e se divertir. E aos poucos segure as rédeas da brincadeira. Outra coisa é alimentar essas fantasias em festas e casas noturnas, ou outros ambientes no qual exista a segurança e permissão necessária para isso. Nesse caso, vá com calma para ninguém se machucar. Converse sobre o assunto e crie regras para evitar com mútuo acordo para evitar conflitos desnecessários. Há sempre a opção da ajuda profissional, você poder procurar sozinho ou acompanhado do parceiro sexual. Procure fugir das fórmulas mágicas e dos atalhos. Além de geralmente não dar certo, só escondem um problema que está em evidência e pode ser trabalhado ou tratado.

Bom dia?

           Acordar ainda é complicado. Eu sei que eu nunca fui daquelas pessoas que levantam cantando e vão alegres para o banho ou preparar o café da manhã. Nem mesmo tinha bom humor, geralmente meio aborrecido. Mas depois do tratamento, as manhãs são mais difíceis sim. Não é para todos, tem quem faça o tratamento e acorde bem. No meu caso, há a alternância de 2 ou 3 efeitos colaterais mesmo após um ano de tratamento. Enjoo, sono e cansaço. Como se tivesse bebido no dia anterior e tivesse tido uma noite ruim. Talvez eu precise ver um médico do sono ou coisa semelhantes, mas o meu desânimo seria a possibilidade de ter que tomar outro remédio. Geralmente, após acordar, os sintomas cedem após alguns minutos nos quais tenho que simplesmente enfrentá-los.

           A melhor maneira e me manter acordado, resistir a vontade de voltar a dormir mais um pouquinho. Lendo e-mails, consultando a internet. Ainda na cama. O segundo passo é me libertar da inércia e conseguir sair de certa letargia ao conseguir comer algo. E isso é importante, mesmo com o enjoo. Parece que comer algo alivia esse sintoma. Mesmo que a última vontade seja de comer algo. Se conseguir fazer tudo com certa disciplina, em 30 minutos estou pronto para começar o dia propriamente. Então, é contornar um certo torpor ou confusão mental que se instala por mais um tempo e pode durar até mesmo uma ou duas horas. Por isso, tento não ter atividades profissionais como reuniões ou contatos humanos mais profundos de manhã. Não tentei atividade física também, mas sempre que tenho caminhar ou fazer algum esforço não me sinto 100%. Dirigir não é confortável, apesar de ser mais tolerável agora. Além de tudo, boca seca, pele seca e cara mais amassado do que costumava ser. Acordar comigo não deve ser a coisa mais que dá mais prazer, mas tento disfarçar. Ainda é um desafio, mas vale a pena. Ter as demais 14 horas do dia relativamente úteis, é uma boa recompensa. Parece pouco, mas lembre que é saudável ter 8 horas de sono. Então teríamos 16 horas como as demais pessoas. Eu e as pessoas que tem esses sintomas matinais, pelo menos, podemos utilizar essa duas horas de recuperação para ter uma consciência da importância de aproveitar cada segundo da sua vida, de valorizar seu corpo, saúde e bem-estar nos demais momentos. Sei que é um pouco Poliana demais, mas veja bem. O mundo já tem limões bastantes para simplesmente acrescentarmos os nossos. Que venham limonadas bem docinhas. Bom dia!