sexta-feira, 24 de abril de 2015

Culpa, Medo, Pena e Repulsa

Sou do tempo que a pessoas se referiam ao portador de HIV como aidético indiscriminadamente. Usavam a palavra com um certo nojo e temor, as vezes horror mesmo. Ser aidético tinha uma carga maior do que hoje, graças a bravo e generosos que se assumiram na sociedade e lutaram por nosso direitos. Também pelos avanços da medicina que tirou certo estigma e tabu da doença. Há ainda a ditadura do politicamente correto que impões certas nomenclaturas sobre outras. Preto é negro, bicha é gay, aleijado é portador de deficiências, sapatão é lésbica, velho é idoso, mongolóide é portador de síndrome de down, retardado é deficiente mental e por ai vai... Mesmo esses termos não são unanimidade. Tem que prefiram ainda mais suaves, de certo modo invertendo a "grande palavra" por um eufemismo em algum casos até ofensivo como especial, melhor idade, entendido, moreno... Se você não se encontra em um desses rótulos, não se preocupe, sua coca diet ainda será zero ou light. Rotular é exercer poder sobre outro, mas não vou aqui discutir o politicamente correto ou sensivelmente correto, mas sim remeter a outro fator diretamente ligado ao sentimento de baixa auto-estima que estar dentro de um rótulo pode gerar. 
 Você assume que é portador de HIV, soropositivo ou soroconvertido para alguém além dos profissionais de saúde e da administração pública do quais não pode esconder? Como as pessoas reagem ao seus estado? Já viu no olhar do outro a desaprovação? O sentimento de pena? A repulsa? Ou quem sabe medo?
Desde que descobri que tenho HIV no meu sangue tenho, as vezes me pego perguntado, será que essa pessoas sabe? Por que tocou nesse assunto justo agora? Será que notou meu emagrecimento repentino? Será, será será? 
Uma das coisas que mais ouço falar é como estou magro. Não consigo fugir disso. Só se deixasse de sair de casa. Só a magreza - que nem é tanta assim, alguns poucos quilos abaixo do peso normal - já causa todas essas dúvidas e rotulação, imagine a confirmação do diagnóstico. 
No auge da infecção, quando problemas começaram a aparecer e tudo que eu pensava era ganhar mais tempo de vida, o que iriam falar de mim me incomodava, mas tinha um peso bem menor no quadro geral das coisas. Agora, com o controle relativo da infecção e até certa recuperação da minha aparência saudável, isso começa a ganhar a frente na vida novamente. Algo que já foi tolo quando comparado a fragilidade e importância da vida, volta a ganhar espaço no pensamento. Vaidade, eu sei. Ego, eu sei. Mas uma vez que não tenho a nobreza e santidade de um autêntico monge budista, isso é meio inevitável. 
Então passo a entender as pessoas que arriscam a vida para parecer o que não são. Sejam pelo uso de substância, seja por procedimentos e operações estéticas. O mundo e nossas fraquezas nos levam a isso. 
Digo tudo isso para entender finalmente que ainda tenho muita dificuldade de lidar com o que os pensam. Em muitos níveis da minha vida. E isso acaba sendo mais um fator que me empurra para ser um soropositivo anônimo. Ou tentar ser.  



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