quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Carlão ou Quem é você na fila do SUS?

No post anterior, ao falar da revelação do Charlie Sheen, eu comentei sobre a recusa em aceitar um serviço de busca do remédio na farmácia do governo, as famosas Unidades Dispensadoras. Para o portador do HIV, ir buscar o medicamento é um dos momentos mais delicados, pois por mais que a pessoa não queira se revelar, nesse momento ela fica vulnerável e exposta.
Já passei por diversas situações, desde idas rápidas à filas longas e constrangedoras. Desde momento que liguei o foda-se a momentos que fiquei apreensivo ou estressado. Hoje em dia, eu tento ligar o piloto automático e ir sem me importar o que pode acontecer. E coisas acontecem.
Cerca de um mês atrás, quando fui buscar meu remédio na hora do almoço. Ao chegar no local, havia uma longa fila predominantemente de homens. Esse foi um dos dias que estava receoso ao ponto de reparar que inconscientemente havia ido disfarçado para lá. Roupas escuras, boné e óculos escuros. O que fazia justamente as pessoas olharem ainda mais para mim.

A verdade é que se você não foi um Charlie Sheen ou outra celebridade, ninguém estará interessado em você. Estarão todos compenetrados em buscar seu remédio e cair fora dali o quanto antes. Pelo menos a grande maioria. Mas para toda regra há exceções. Você pode sim encontrar um conhecido, mas calma lá, ele estará lá pelo mesmo motivo que o seu. Ou se estiver procurando, pode encontrar algo mais...
Na fila havia uma seleção de tipos diferente do que já havia encontrado. Primeiro, notei dois homens que conversavam num volume que parecia propositadamente para todos do ambiente ouvirem. Eles falavam das desventuras da vida e como ter pego HIV tinha sido culpa deles e somente deles, e que não era vergonha para ninguém. Pareciam querer convencer a todos de alguma coisa que não estava clara ainda. Na frente dele, havia uma senhora que poderia ser uma dona de casa ou empregada doméstica, tímida e encolhida sobre o próprio corpo, porém atenta à conversa. Um pouco mais à frente um menino jovem, deveria ter entre menos de 20 anos, com cara de assustado. Como se fosse a primeira vez por ali. Na frente dele, um homem mais velho, musculoso, com uma camiseta polo justa no corpo, bonito, com olhar perdido no começo da fila. Na minha frente um outro rapaz com fone de ouvidos que emitiam um zumbido de música eletrônica, também bonito.
Os homens continuavam a conversa agora de religião. Diziam o quanto é importante ter fé e acreditar em algo maior e por aí iam... Foi quando o musculoso voltou o olhar para eles e encontrou o meu olhando para ele. Ficamos por um momento nos vendo e ele sorriu um sorriso largo, automaticamente respondido por um sorriso meu. Então, ficamos encontrando nossos olhares vez ou outra. Lembre de quando encontrei o Ted pela primeira vez naquela mesma farmácia, naquele mesmo horário. Pensei que deveria ir mais nesse horário na farmácia. E talvez tenha sido um dos motivos que me levaram a também não passar uma procuração para alguém buscar o remédio por mim. O rapaz buscou o remédio e saiu, acompanhei com o rosto, e fiquei me perguntando de não deveria ter ido falar com ele.
A fila andou. E os homens ainda falavam de religião. Dessa vez de forma mais enfática. Fiquei imaginando que em algum momento iriam distribuir um convite para uma igreja ou algo assim. A fila foi aumentando atrás de mim. Quando chegou na minha vez, tive a coragem e olhei para as pessoas atrás de mim. Uma fila já não tão de desconhecidos olhando para baixo, tentado evitar o contato visual. Peguei meus remédios e parti. Quando estava chegando perto da estação do metrô senti alguém ao meu lado logo atrás e virei para olhar. Para minha surpresa, era o homem musculoso da fila. Ele sorriu e soltou um "oi" amigável. Correspondi e entramos na estação. Vou chamá-lo de Carlão. Carlão tem 40 anos, e sabe que é HIV positivo desde 2009. Falou que pegou de uma ex-namorada que era soropositiva e não sabia. Na época, achava que só poderia pegar HIV de outros homens e foi descuidado. Resolvemos parar em algum local para conversar. Almoçamos juntos e foi tudo muito bom. Tenho que confessar que fiquei animado. E até mesmo interessado em algo mais.
Nos encontramos no fim de semana, fomos em um restaurante, e esticamos na casa dele perto da Avenida Paulista. Ele queria fazer sexo sem camisinha. Chegou a mostrar os exames dele como contagem indetectável e não reagente para outras DSTs. Falei que não queria. Ele insistiu de maneira leve, ao ponto de não me incomodar com aquilo. Mas mantive a minha postura. Acabamos fazendo sexo com camisinha mesmo. E foi muito bom. Acabei dormindo na casa dele. No dia seguinte, fui acordado logo cedo, ele me avisava que tinha que sair. Enquanto me arrumava, ele deixou claro da maneira mais gentil possível que só queria sexo mesmo, que não tinha condições de ter um relacionamento sério na vida dele. Apesar de um pouco frustado, entendi a posição dele. Desde então nos encontramos uma vez ou outra. Ele me manda uma mensagem no whatsapp ou facebook, eu me faço de difícil, depois cedo e acabo indo encontrar com ele. Seria uma amizade colorida, como falavam, se houvesse alguma amizade. É só sexo, sexo excelente, mas casual... Vou permitindo enquanto ainda me fizer bem.

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