Relutei
bastante para falar sobre esse assunto. Primeiro, pois não assisti as
reportagens, apenas vi um ou outra chamada na TV e li alguma coisa nas redes
sociais. Segundo, pensava comigo, não há muito o que falar, pessoas assim são
duplamente doentes e precisam pagar pelo que fazem e pronto, e ponto. Terceiro,
o assunto me toca de maneira particular, uma vez que sempre tive a impressão
que houvesse pessoas assim, e que eu mesmo poderia ter sido vítima de um, só não imaginava um grupo organizado como
este.
Mas o ponto
principal é que não queria surfar no sensacionalismo que envolve a questão. Mas
de ouvir tanta coisa, achei que seria bom desabafar um pouco...
Quem é gay
faz algum tempo já deve ter ouvido histórias e mitos urbanos de pessoas que
contaminavam as outras propositalmente. Coisas como pessoas com seringas em
boates noturnas, Don Juans que seduziam as vítimas e no dia seguinte avisam que
estavam contaminadas, clubes de bareback com fetiche na contaminação e outros
contos de horror. A criatividade humana
para coisas nefastas é incrível.
Na prática,
você vê sinais aqui e ali de que a contaminação proposital poderia ocorrer.
Algumas práticas são indicativos claros. Pessoas que dispensam camisinha para
fazer sexo. Pessoas que deliberadamente preferem o comportamento de risco. E
ainda propostas indecorosas de sexo com risco de pessoas com HIV. Não tenho
entrado muito no Grindr, mas até pouco tempo atrás era comum ver perfis com
descrição “HIV+, sexo só sem capa” e outras pérolas negras do ambiente virtual.
Em minha
vida sexual, já tive momentos de frequentar saunas, clubes de sexo e áreas de
encontro. Já fui usuários dos chats (devo ter sido pioneiro nas salas da Uol),
de sites de encontros (disponível.com, manhunter, gaydar) e aderi aos
aplicativos (Grindr, Scruff e outros). E foi em um momento de descuido com
algum parceiro que fui contaminado. Sempre tive preocupação, mas minha vida
sexual nos últimos anos teve um salto quantitativo muito grande. E associado ao
uso de certas substancias e álcool... Por mais que meu comportamento tenha sido
promíscuo, eu sempre tive a impressão que fui contaminado deliberadamente em um
momento de torpor. Bem feito? Isso eu deixo para o seu julgamento, caro leitor.
Mas isso não muda nem meu estado atual, nem o ato de quem fez.
Eu não
tenho certeza, mas tive a impressão de uma contaminação deliberada na época, e
depois tive a confirmação da contaminação. Então, entendo a dor de quem passa
por isso e o medo de quem teme. Entendo o sentimento de sentir essa violência.
Entendo certa culpa de ter me exposto a isso. Entendo o desejo por justiça.
Entendo também a vontade de distanciar o portador do HIV comum de pessoas como
essas, contaminadores deliberados.
Talvez essas
pessoas passem a vida inteira sem sofrer consequências sobre o que fizeram.
Talvez sofram de algum tipo de psicopatia ou outro transtorno que a impeça de
ter remorso. E esse será um segredo que não será totalmente revelado. Mesmo que
a justiça pegue alguns. Será que terá pegado todos? Será que não surgiram novos?
Será que serão devidamente punidos?
Como no
caso de corrupção que vemos no noticiário. O que emerge nesses casos é apenas a
ponta do iceberg. Culpas e segredos
ficaram omitidos do julgamento social. Assim caminha a humanidade.
Mas o que
podemos fazer em relação a isso? Não adianta julgar os meios de comunicação
pelo sensacionalismo. Não adianta também fingir que nada é conosco. Temos que
agir e a única ação possível é a união. Temos que realmente dizer que achamos
isso nefasto e errado. Temos que denunciar sites, grupos e, quem souber de
pessoas específicas, indivíduos. Temos que esclarecer o assunto mesmo sabendo
que seremos julgados. E geralmente para pior. Não importa a visão que você
tenha sobre o assunto, desde que reprove veementemente e tenha a consciência
que o ódio que nasce na sociedade em relação ao contaminadores deliberados não
é para você, não pode ser para você e que nós, que não temos nada a ver com
isso, que somos portadores de HIV, em conjunto, estamos juntos para defendê-lo
desse ódio que deveria ser dirigido só a quem o merece, e de maneira não violenta. Intermediado pela
justiça oficial. Nada de justiça de grupos e indivíduos com as próprias mãos.
Nossas autoridades que devem cumpri-las de forma irrepreensível. Temos que acreditar nisso, senão é a barbárie.
Não adianta
querer dividir a culpa com a imprensa. A mídia só está cumprindo o seu papel,
que seja com tons mais sensacionalistas ou não. Devemos procurar nos aliar aos
meios de comunicação para esclarecer o nosso ponto de vista, o nosso medo da generalização e do risco do
ódio contra os soropositivos aumentar. Aderir ao abaixo à Globo, abaixo ao
Fantástico e outros lemas fáceis é um tiro no pé. A mídia é a principal aliada
no esclarecimento de tudo. Temos que fazer questão do nosso lado da história.
Que o ato
de contaminar alguém deliberadamente seja punido de maneira exemplar pela
justiça. Que os criminosos sejam impedidos, sejam presos e colocados em
tratamento, quando for o caso. E que nossa união não deixe que o ódio da
sociedade faça vítimas inocentes pelo preconceito ou falta de controle.
Então era
isso, queria me posicionar sobre o assunto. Sem caçar outros culpados que não
sejam os que são realmente culpados nessa história, uma minúscula parcela de
portadores de HIV que deliberadamente transmitem o vírus para outras pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário