sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A Luta

Sempre quando me encontro com amigos HIV positivo, dois assuntos rondam nossos medos e esperanças, a expectativa de vida e o que realmente difere nossas vidas das demais pessoas. Nos últimos 10 anos foi ficando comum na mídia a informação de "o portador de HIV pode ter uma vida tão longa quanto uma pessoa não infectada" ou "o portador de HIV pode levar uma vida tão normal quanto uma pessoa infectada", em boa parte por conta do desenvolvimento de novas drogas com efeitos colaterais menores.

O fato é que estamos sempre querendo olhar para o copo meio cheio. E com questão das pessoas com HIV não tem sido diferente. É saudável que queiramos escolher a perspectiva de uma vida longa e comum acima das evidências em contrário e esquecer daquela 1 pílula antes de dormir. É normal a gente fechar os olhos para tantas pessoas que são levadas precocemente por motivos misteriosos e não completamente anunciados no Facebook. É normal estabelecer certo nível de negação quando a realidade é dura demais. Mas será que isso tem feito bem a sociedade?

O Carnaval sempre me faz lembrar bastante disso. É a época que mais pessoas são infectadas no Brasil. Grande parte são jovens no começo de sua vida sexual, cheio de hormônios, sonhos românticos e pouca experiência. Adicione a isso algum inconsequência muitas vezes normal nessa faixa de idade. 

Por outro lado, há pessoas com má fé que tem fortes suspeitas ou sabem que estão infectadas e que fazem sexo sem camisinha uma vez que a principal pessoa que os interessam já está atingida pelo vírus: elas mesmas. São homens gays extremamente egoístas ou com severa deformidades em suas personalidades que fazem sexo inseguro com possibilidade de arruinar a vida de um jovem menino gay. 

Se eu tivesse certeza dessas pessoas ou tivesse informações, eu denunciava. A gente escuta algo aqui e ali. Vê ou ouve algo aqui e ali. Com assombro, não há o que fazer. E se o boato for só boato, ou se os fatos não correspondem a verdade. 

Onde quero chegar? Se esse texto chegou até você jovem homem gay saudável e bonito nas entre 18 e 20 e poucos anos, preste atenção em como o sexo é oferecido com você. Separe bastante a expectativa romântica da necessidade de segurança durante o ato sexual. VOCÊ PODERÁ TER UMA UNICA CHANCE. 

E acredite, a vida de um portador de HIV é cheia de medos, incertezas, limitações, paranóias e fatos desagradáveis que não vale a pena correr o risco de contaminar-se nem por uma possível promessa de namoro nem mesmo por um sessão de prazer rápida com aquele desconhecido lindo. 

Outra coisa, teclar nessa tecla parece clichê mas MUITOS HOMENS COM HIV são lindos e de aparência saudável. Muitos tomam esteroides e são cheio de músculos com percentual de gordura baixíssimo. Muitos tem carinha de modelo e corpo sem flacidez e atlético. Muitos são coroas bonitões e bem sucedidos com apartamento maravilhosos nos Jardins. Muitos são gay-discreto-fora-do-meio com jeito de hetero e com aquela personalidade magnética. 

Sim, esse são alguns dos perfis de pessoas com HIV com quem convivo ou convivi. E que leva sua soropositividade bem escondida das pessoas mais próximas. Alguns inclusive de seus próprios namorados, que por acharem que o risco de transmissão quando se está indetectável é suficientemente baixo para que tenham sexo desprotegido e sorodiscordante sem culpa. Essa parte é uma história que acabou de chegar no meu ouvido sobre um casa da noite paulista, bem conhecido por sua agenda social badalada. Dois lindos, uma mais maduro e rico, um talentoso e mais jovem. Boato? Como vou ter certeza de uma coisa dessas? Será que uma testemunho de uma pessoa que transou a 3 com eles é suficiente? Será uma daquelas conversas de bar para apimentar o assunto da noite?

Minha experiência com Carnaval, sexo a três e noite paulistana, me diz que é bem possível que seja verdade. Quantos jovens e coroas já tentaram fazer sexo sem camisinha comido alheios de minha sorologia, carga viral e etc...

Antes de deixar esse post para os incautos do carnaval. Deixo uma reflexão sobre o a carga viral indetectável e sexo sem camisa. Vamos supor que a única DST (ou IST - infecção sexual transmissível, como estão falando agora) envolvida do casal que fará sexo sem camisinha seja a presença do HIV em um deles. Vamos supor que o soropositivo é indetectável a anos e que faça periódicas avaliações, além de ter uma aderência ao tratamento metódica e constante. Há riscos de transmissão? Dizem algumas pessoas que o risco é igual ao de uma transmissão por sexo oral sem camisinha ou seria tão próximo ao zero que a possibilidade de contaminação é possível de ser desconsiderada. Tem sido amplamente divulgada em pesquisas e artigos científicos. Então isso dá carta branca ao indetectável em fazer sexo desprotegido com qualquer um?

Primeira questão. A questão ética. É parecida com a da mulher-trans que resolve fazer sexo sem contar ao parceiro que é trans. Será que o fato de não apresentar risco ou incômodo consciente para o parceiro sexual e a proteção de nossa subjetividade-afetiva nos dá o direito de escolhermos pelo próximo? De decidirmos pelo próximo? A mulher-trans pode se achar uma "mulher de verdade", mas seu parceiro tem o direito de não achá-la. Aliás, uma mulher-trans que se ache uma "mulher de verdade" gostaria de transar com um homofóbico que raiva mulheres-trans por passar por uma mulher-cis? O mesmo vale para o infectado indetectável, podemos assumir o não risco pelo parceiro sexual uma vez que "eu tenho certeza" da não possibilidade transmissão? EU ACHO ISSO ANTIÉTICO. 

Segunda questão. Quando se trata de HIV, não falamos só de HIV, mas também de hepatites, HPV, Sífilis, gonorreia, candidíase e outras doenças com janelas imunológicas variadas e possivelmente assintomática que são impossíveis de prever. Vale a pena contaminar ou ser contaminado por outra infecção sexualmente transmissível? Temos o direito de correr o risco ou de impor o risco a alguém?

Terceira. Modelos científicos, pesquisas e achados médicos podem mudar da noite para o dia. O consenso atual em torno do assunto da não transmissão pode mudar amanhã. Então se as duas pessoas não tem certeza absoluta da sorologia de cada um dos parceiros, não é ok fazer sexo sem camisinha apoiado no que ouviu no site ou blog especializado, do que leu na revista científica ou deu no Jornal Nacional. 

Quarta. Ele quer fazer sexo sem camisinha. Ele é adulto e está sóbrio? Se sim, ainda assim você não se sente responsável nem um pouquinho pela possibilidade de passar o HIV à diante? Serio? Se a pessoa tiver consumido drogas ou álcool então, nem pensar! Seja responsável por você uma vez, e pelo próximo 2 VEZES. 

Quinta e última. Fazer sexo com alguém acreditando que sua carga viral é a mesma de quando exatamente tirou o sangue para fazer o exame é acreditar na sorte. Qualquer desequilíbrio hormonal, alimentar, nutricional, fisiológico, entre outros, podem ocasionar em um pico de produção de vírus e na anulação da possibilidade zero de transmissão. Além disso há a chance da pessoa deixar de ser indetectável sem nenhuma alteração perceptível. Então, não, você não pode afirmar ao parceiro que seu risco de transmissão é zero baseado naquele exame que saiu a poucos dias. 

FAÇAM SEXO PROTEGIDO. NÃO PROPAGUE O HIV NEM EM VOCÊ, NEM NOS OUTROS. NÃO ACREDITE QUE SEUS ATOS SERÃO GRATUITOS E SEM CONSEQUÊNCIA. 

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